Dia dos Pais


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No dia dos pais o Projeto Legal, situado à rua Alexandre Fleming em Marcos Moura - Santa Rita - PB, comemorou a data do dia dos pais, em grande estilo. Foi oferecida aos pais uma deliciosa feijoada, compareceram cerca de 150 pessoas, entre pais e filhos atendidos pelo Projeto. As crianças prestaram homenagem aos pais com apresentação de dança, teatro e                                    poemas.  

Diretora Presidente do CEDHOR, Odete Lima, concede entrevista ao Falando DHireito

Confira o site da Fundação Margarida Maria Alves: www.fundacaomargaridaalves.org.br

Método Pedagógico, Educação Popular e o significado do Trabalho de Base, no atual período


O título deste texto corresponde ao tema proposto pelo MPA (e acolhido de bom grado), na esteira de outras inquietações pertinentes, como objeto de reflexão e ação pelos protagonistas do Movimento. Acolho a proposta como um mote do Repente, e, a partir dele, cuido de propor um roteiro de problematização e de provocação ao tema, com o propósito de suscitarpontos que me parecem relevantes e oportunos, no atual cenário da sociedade brasileira, em especial, de suas forças transformadoras das quais o MPA segue buscando fazer parte, de modo crítico-propositivo.
Para qualquer movimento popular que se preze, resulta vital a questão do método de organização, de formação e de intervenção na realidade social, bem como na trajetória de seus membros. Por isso mesmo, seu método não deve ser entendido como algo à parte de sua visão de mundo, de suas referências teóricas. A isto buscarei estar atento, nas linhas que seguem. Vou distribuir esta reflexão em três tópicos necessariamente interconectados: rápidas considerações sobre alguns desafios da atualidade para as forças de transformação social; que tipo de formação melhor corresponde ao perfil das forças sociais, a exemplo do MPA, em sua luta por uma sociabilidade alternativa à que aí está; e que tipo de método melhor se adequa ao trabalho de base, nessa perspectiva.

1.      Alguns desafios que rondam nossa atualidade
Não é segredo que, mais do que uma época de mudança, estamos vivendo uma “mudança de época”, com profundas repercussões, não apenas nas mais variadas esferas da realidade, como também comportando distintos sentidos que a expressão pode implicar ou que podemos atribuir-lhe. Tal fenômeno impacta, por certo, todo um modo de produção, de circulação, de consumo, de gestão de sociedade e de convivência com a Mãe-Natureza. Suscita profundos impactos decorrentes da reestruturação produtiva como da reorganização dos processos de trabalho. Aqui recomendo vivamente o vídeo/documentário “da servidão moderna”, acessível por Youtube). Tal “mudança de época” compromete mortalmente, pelo menos em médio prazo, o lugar atribuído aos Estados nacionais, durante séculos, como se fosse a única forma possível de se organizar uma sociedade que se queira alternativa à ordem vigente. Por tabela, afeta mortalmente a lógica da democracia representativa ou a objetiva abdicação de protagonismo cidadão, com consequência direta na organização partidária convencional, etc. Mas, sobretudo, aponta para a inarredável necessidade de se reinventar o fazer-Política, inclusive por meio de uma dinâmica alternativa de organização societária, alternativa à lógica do Mercado capitalista e do Estado. E não apenas do Estado capitalista: os Estados socialistas, com raríssimas exceções, têm dado sobejas provas de sua incapacidade de fazer a transição para uma sociedade sem classes. Como dizia a famosa personagem do filme “Queimada”, José Dolores, “É melhor saber para onde ir, sem saber como, do que saber como e não saber para onde ir.”
Não se diga que isto seja devaneio. Lembremo-nos do velho alerta, de que, fazendo jus e uso de sua condição de inventividade, os seres humanos estão à altura dos desafios que lhes são historicamente colocados. Basta que observemos as lições da História, em distintas épocas. Por que abdicar de nossa vocação histórica à Liberdade, ainda que tal projeto nunca se complete de todo satisfatoriamente? Aqui me vem o belo poema de Eduardo Galeano sobre a linha do horizonte, que nos anima a seguir caminhando.
Ousar o novo (no sentido do alternativo), e já ensaiando passos concretos nessa direção, desde que impregnados de sementes de alternatividade,constituitarefa irrenunciável do processo de humanização, sobretudo quando se tem certeza da caducidade dos caminhos que vimos trilhando, há tanto tempo. Até podemos não saber bem como chegar à sociedade que almejamos, mas não nos resignamos a tentar, a ensaiar passos, nessa direção, inclusive cometendo erros. Só acerta quem está disposto a buscar, buscar e buscar, sempre, recolhendo lições dos próprios equívocos aos quais não escapa quem ousa caminhar por caminhos ainda não trilhados...
Aqui me restrinjo especificamente ao desafio do esforço de construção de uma nova sociabilidade, alternativa ao Capitalismo, e que faça jus aos sonhos mais generosos da humanidade, em relação amorosa com a Mãe-Natureza. Trato de sublinhar algumas tendências equivocadas, mas que seguem amplamente hegemônicas, inclusive entre forças e organizações de base de nossa sociedade, buscando aqui fazer com elas um contraponto, do ponto de vista de quem aposta numa sociabilidade alternativa ao Capitalismo, mas, por isso mesmo, a ser construída alternativamente, não apenas no que concerne ao seu horizonte, mas também na práxis cotidiana dos seus protagonistas, convencidos de que horizonte de Liberdade se alcança apenas por caminhos também de Liberdade. Vejamos, então, algumas dessas teses equivocadas ainda amplamente hegemônicas.
-Só alcançamos uma nova sociedade, após a derrocada da sociedade presente -Em situação ordinária, tal afirmativa não mereceria grande estranhamento. Com efeito, o advento de uma nova sociabilidade é incompatível com o presente modelo de sociedade. Estamos de acordo quanto à necessidade de superação do atual modelo de sociedade. Um modelo alternativo comporta, portanto, o enfrentamento do tipo atual de sociedade e a sua derrocada. Onde, então, aparece nossa crítica? No fato de que, à falta de se trabalhar criativamente no desenho da nova sociedade, como condição indispensável para a verdadeira superação da velha sociedade, acaba-se, não raro, adiando o necessário esforço de visibilizar, já de agora, a expressão de sinais concretos de alternatividade no estilo de vida dos protagonistas. Ou seja: não vale tudo deixar para depois da derrocada do velho regime, para, só a partir de então, cuidar-se de construir os novos valores, as novas atitudes, compatíveis com a nova sociedade. Seria demasiado tarde! Esse filme já vimos... Ou a busca de nos tornarmos - incessantemente e desde já – novas mulheres e novos homens começa a ser visibilizada, a cada momento, por atitudes compatíveis com a nova sociedade, ou em vão lutamos por uma nova sociabilidade. São fartos os exemplos que bem ilustram, ao longo de décadas de experiências de sociedades socialistas, que não conseguiram fazer a transição para uma sociedade sem classes (e, portanto, sem Estado). E já não convence o argumento de que isto não se deu, graças apenas a fatores externos, por mais que reconheçamos o peso efetivo destes. Em outras palavras: em vão nos entregamos à tarefa de derrubar a atual sociedade, sem que, ao mesmo tempo, nos empenhemos, dia após dia, no esforço ininterrupto de nossa própria transformação em novos homens, em novas mulheres.
-O exercício crítico é a condição suficiente de formação da boa militância – Eis outra importante afirmação que segue sendo requisito essencial: é inconcebível pretender-se uma sociabilidade alternativa, preterindo-se a formação crítica dos protagonistas. Por outro lado, tomada isoladamente, tal afirmação implica reducionismo, sob vários aspectos. Os exemplos nos falam de modo mais convincente. Quem de nós não conhece militantes intelectualmente bem dotados, com admirável capacidade de desmontar as armadilhas do sistema capitalista. Mas, quando se trata de investir em atitudes propositivas ou mesmo em saídas, mostram suas fragilidades: são críticos mas não propositivos. Mais. Exercitar com competência a crítica, sem o simultâneo e contínuo exercício da autocrítica resulta comprometer – ou até negar – a qualidade da crítica. Exercitar a crítica, com postura ética, implica, antes mesmo de lançar a crítica “ad extra”, colocar-nos, primeiro, como alvo da referida crítica.
-Contra não importa o quê, temos que defender os nossos incondicionalmente - Aqui reside uma fonte relevante de reiterados e graves equívocos. Sucumbir a uma postura de defesa incondicional, sob a alegação de que cumpre ser fiel aos “nossos”, seja qual for a situação, implica um grave equívoco ético, que tem provocado constantes estragos ético-políticos, em não poucos episódios protagonizados por figuras do campo de esquerda. Para se defender “os nossos”, em qualquer situação, vale tudo, tudo é permitido. Neste caso, a própria causa revolucionária resulta preterida por tal postura. Acaba-se assegurando fidelidade aos amigos, mesmo estes encontrando-se em situação eticamente indefensável, e, por via de consequência, abandonando-se a própria causa revolucionária, que tem na verdade sua cláusula pétrea: “Só a verdade é revolucionária”.
-Uma vez dirigente, sempre dirigente” – Por razões óbvias, isto é posto em prática, mas pouco ou simplesmente não verbalizado. Pelo contrário, até se ensaia “falar-se” em rodízio, mas de boca para fora. Na prática, coordenadores/dirigentes de há dez, vinte anos ou mais seguem compondo a direção, ainda que em cargos variados. Cria-se, com isto, objetivamente, uma casta privilegiada, em nome do bom andamento do movimento... Um dirigente, se já foi base algum dia, isto ficou para trás definitivamente, sob as mais distintas alegações.
-A sobrevivência do nosso movimento passa pelo recebimento de recursos de outras fontes –Na trajetória de um movimento, pode haver situações excepcionais que o levem a apelar, sem jamais comprometer sua autonomia, a fontes legitimamente aliadas, sempre com o compromisso de, tão logo vencido esse período de exceção, retomar seu caminho de autofinanciamento. É praticamente impossível a um movimento popular com projeto alternativo de sociedade que seja capaz de assegurar sua autonomia, se depende de outras fontes de financiamento. Pior ainda, quando essas fontes têm a ver com o Mercado ou com o Estado. Sábio é o adágio popular: “Quem come do meu pirão, prova do meu cinturão.” Na história de lutas dos movimentos sociais com esse perfil, são incontáveis as experiências de aposta e zelo pela sua autonomia, recorrendo a vários meios de caixa comum, com esse propósito.
-Só se enfrenta a classe dominante com êxito pela via militar – Ontem mais do que hoje, mesmo assim segue forte a aposta no argumento militarista, mesmo já não enfrentando as condições, por exemplo, da ditadura empresarial-militar. E por essa via, em vez de se priorizar todo um processo de formação humanizadora, não raro, sucumbe-se ao apelo privilegiado às armas, à luta armada, com a agravante da tendência frequente de confundir-se revolução com luta armada, esvaziando-se o essencial do significado de Revolução. Resultado: de posse das armas, os dirigentes, uma vez instalados em postos de relevância, fazem prevalecer suas decisões, nem sempre pela força de seus argumentos...
-Só com formação política dos dirigentes, podemos assegurar um movimento capaz de enfrentar os desafios do Capitalismo – Com frequência, escutamos algo parecido. É claro que a afirmação comporta boa dose de razão. É, com efeito, irrenunciável a formação política, não apenas de dirigentes, mas do conjunto dos protagonistas, a começar de sua base, de onde devem vir, em regime de alternância, seus coordenadores e dirigentes. O problema não reside aqui. Sucede que, diferentemente de outras conjunturas históricas, em que a formação estritamente política dos protagonistas deu conta, hoje enfrentamos uma realidade nova, bem mais complexa e desafiante, a não demandar mais a mera formação estritamente política, mas, antes, uma formação integral de sua base e de seus dirigentes. A isto voltarei no tópico, a seguir.

2.      Que tipo de formação se faz necessário aos protagonistas de hoje, na perspectiva acima assumida?
Não se tem conhecimento de movimento social algum (com perfil de lidar com projeto desociabilidade alternativa, que tenha prosperado, sem apostar a fundo no processo formativo de seus membros. Sem qualquer demérito para a educação formal, importa ter presente que dela aqui não se trata. Sendo o Estado o órgão responsável pela organização, pelo controle, pela avaliação do sistema de educação escolar (da educação infantil à pós-graduação), seria ingênuo, da parte dos movimentos sociais com perfil acima mencionado esperar que o Estado dê conta da formação de seus membros. Sendo o Estado um componente essencial (ao lado do Mercado) para a realização dos interesses da classe dominante, não constitui tarefa sua favorecer a formação das forças que buscam sua superação. Daí não haver escapatória para os movimentos sociais populares, senão a de assumirem seu próprio processo formativo, desde a concepção, passando pelo planejamento, a implementação, a metodologia, a avaliação...
Importa ao processo formativo protagonizado pelos movimentos sociais, antes de tudo, formar Gente, diferentemente do sistema oficial, que se empenha em formar para o Mercado. Formar Gente é bem mais complexo! Que requerimentos, então, supõe um projeto de formação protagonizado pelos movimentos sociais populares? Vejamos alguns deles.
Diferentemente da educação escolar, que se dá num período determinado (5, 10, 15 anos...), uma formação alternativa a esse sistema há que ser assumida permanentemente e de forma incessante. Educação continuada! Formar Gente supõe assegurar condições favoráveis aos formandos de aprimorarem sua capacidade perceptiva: ver mais e melhor o que antes enxergavam mal ou não enxergavam; ouvir coisas novas; sentir, intuir situações ainda não vivenciadas; exercitar um outro olhar sobre a realidade, sobre o mundo, sobre si mesmo, sobre si mesma.
Trata-se de uma experiência formativa que parte do reconhecimento ou da tomada de consciência dos próprios limites e potencialidades. Parte da consciência do próprio inacabamento, da própria finitude. Limite que vai sendo superado à medida que se vai apostando na relacionalidade, na força comunitária. Só através da vida grupal é que se vai tendo condição de reconhecer melhor os próprios limites, e, ao mesmo tempo, dar passos rumo à superação de tais insuficiências. Aqui, também, importa ter presente o caráter processual da formação. Ela vai-se dando numa caminhada, num processo, dentro de conjunturas e, portanto, assumindo um caráter de relatividade. Disposição sempre deve haver de chegar cada dia mais perto do horizonte almejado, sabendo-se, porém, que não se alcança tal horizonte, de forma completa, mas aproximativa.
No curso desse mesmo processo formativo, aprende-se melhor a lidar com a memória histórica. Tomar consciência de que, sendo seres históricos, portamos raízes de nossos ancestrais, razão por que buscamos recuperar e celebrar a memória de nossa Gente, suas lutas, suas conquistas, suas derrotas, seus saberes secularmente acumulados, nos distintos continentes e no Brasil. Uma memória subversiva, que nos ajuda sobremaneira a manter acesa nossa chama revolucionária, nossos compromissos de classe, nosso empenho em ajudar a transformar o mundo, a sociedade, a partir de nossa própria transformação, dia após dia.
Trata-se de um processo formativo que nos dispõe a ir-nos processualmente tornado Gente, e, por isso, comprometidos com a busca de formação omnilateral, isto é, sempre em busca de trabalhar, em nós e nas demais pessoas e grupos, as distintas dimensões em que somos chamados a crescer, a processar nosso desenvolvimento. Dimensões que incluem as relações sociais de gênero, de etnia, de geração, de espacialidade. Um processo formativo que nos dê condições de ir além da mera cognição, do mero desenvolvimento de nossa capacidade intelectual, à medida que nos dispõe a articular adequadamente nosso sentir, nosso pensar, nosso querer, nosso agir, nossa postura comunicativa, nossas relações com a Mãe-Natureza, nossas relações com o Sagrado.

3.      Como articular esses desafios e esse tipo de formação com o Trabalho de Base, no presente contexto da sociedade brasileira?
É supérfluo dizer que não se trata aqui de pretender-se oferecer qualquer receita. Isto é incompatível com o que entendemos por Educação Popular. Juntos, a partir das experiências concretas vividas junto a movimentos sociais populares e outras organizações de base de nossa sociedade, buscamos pistas que nos sejam úteis ao nosso propósito. Para tanto, cuido, primeiro, de reavivar o que estou aqui a entendendo por “trabalho de base”, e, em seguida, à luz do que antes vem sendo refletivo, ousar sugerir algumas pistas, nesse sentido.
Por Trabalho de Base podemos, também, entender uma dimensão inicial do processo formativo das classes populares, focada no despertar da consciência crítico-transformadora dos protagonistas recém-chegados e inseridos nos mais variados campos das lutas populares, no âmbito dos movimentos sociais e sindicais ou de outras organizações de base de nossa sociedade. Trata-se aí de assegurar condições e passos favoráveis ao desabrochar da consciência crítica e do compromisso com a causa de emancipação da Classe Trabalhadora, em vista do fortalecimento de sua condição de sujeito de transformação social, na perspectiva da construção de uma sociabilidade alternativa ao Capitalismo, em suas mais diversas esferas (social, econômica, política, cultural...).
Obra coletiva, mas também pessoal, o Trabalho de Base é expressão de muitos e múltiplos protagonistas, trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, cidadãos e cidadãs procedentes de espaços diversos, com sua diversidade de gênero, de etnia, de situação geracional (jovens, adultos...), de variada situação de escolaridade, com suas diversas escolhas ético-religiosas, etc., todas características relevantes a serem tomadas em conta no processo formativo. Processo no qual trabalham, ao mesmo tempo, formandos e formadores, trabalhando os mais diversos temas e questões da realidade concreta, cada qual com seu aporte específico, em que todos se fazem aprendizes uns dos outros, umas com as outras. Para tanto, o método, o jeito de trabalhar é decisivo. Não basta que tenham em comum o mesmo horizonte a ir-se alcançando. Importa, também, que os caminhos e a postura dos protagonistas se façam compatíveis com o respectivo horizonte. Horizonte de Liberdade só se alcança também por caminhos de Liberdade!
Com relação às pistas e passos a propor, trato de distribuí-los em três sub-tópicos: os que dizem respeito aos desafios organizativos; os que se acham mais ligados ao processo formativo mais diretamente; e os que dizem mais diretamente respeito à intervenção massiva (mobilização). Convém lembrar o que já foi antes assinalado, quanto às conexões orgânicas entre os três tópicos e os três sub-tópicos destas linhas.
Quanto às pistas e passos de caráter organizativo – Desde os primeiros contatos, da parte de quem tome a iniciativa, é fundamental que cada passo, cada gesto (desde a preparação dos primeiros contatos, coletivos ou pessoais, ao primeiro encontro, etc.), se tenha o cuidado de impregná-los com as características gerais da proposta de trabalho. Isto é, os membros encarregados, formadores ou não, de realizar Trabalho de Base, devem expressar em cada gesto seu sinais da totalidade da Proposta formativa. Não basta contentar-se com sublinhar o horizonte, aonde se deseja chegar, mas também dar testemunho dos caminhos, por minúsculos ou moleculares que sejam, compatíveis com esse horizonte. Encarnar o Projeto Popular alternativo em cada gesto é que vai convencer, com eficácia, os que estão chegando...
* Partir da história de vida e da experiência concreta dos recém-chegados - Passo que nos remete, por exemplo, à fecundidade dos freireanos Círculos de Cultura. Criar condições favoráveis para que esses novos protagonistas digam sua palavra, contem sua história, relatem e compartilhem suas experiências, seus saberes prévios. Aqui o papel do Formador/da Formadora é menos de falar (até pode falar o necessário), e bem mais o de observar, ouvir, escutar, anotar elementos-chave do percurso e do perfil dos participantes dessa plenária ou reunião ou encontro inicial.
Passo importante para se colher as informações básicas sobre o perfil dos novos protagonistas. A partir dos elementos recolhidos/anotados em uma ou tantas outras reuniões, tem-se mais condição de se levantar o perfil individual e coletivo da turma contatada. Perfil que vai ajudar profundamente nos desdobramentos ulteriores do Trabalho de Base.
*No caso de vir a ser adotada o formato de um Círculo de Cultura, nos encontros seguintes, convém, antes mesmo, de situar os desafios mais diretos do Movimento, trabalhar temas, questões, palavras geradoras colhidas anteriormente. Provocar debate, rodas de intervenção por parte dos participantes. Só que aqui não basta apelar para a fala oral. Há que se buscar outros recursos artísticos: desenhos, contação de estória, encenação, música, poesia, cordel, repente, cartazes, trabalhos manuais reveladores dos talentos dos participantes que, na maioria, nunca antes haviam tido sequer a consciência de seus respectivos talentos e saberes...
*Criar condições de desenvolvimento progressivo da capacidade perceptiva dos participantes, no que diz respeito mais diretamente à realidade social – Só a título de ilustração (sem pretender reeditar a experiência), nos anos 80, no contexto da Teologia da Libertação, da chamada “Igreja na Base” (CIMI< CPT< CPO, etc.), um material que marcou muito foi o recurso às charges, às histórias em desenho, como os utilizados numa cartilha intitulada “Zé Brasil descobre a sociedade”. Quem sabe, não seria o caso de recorrer, não à mesma cartilha, mas de elaborar uma outra, com charges, a partir das histórias de vida, das experiências concretas parilhadas, nos iniciais, nos círculos bíblicos... Em breve, propõe-se fazer aqui um esforço inicial de análise de conjuntura em mutirão, com a efetiva participação dos presentes.
*Envolvimento progressivo dos participantes em atividades ao seu alcance - Já iniciado o processo organizativo, por meio inclusive da experiência de Círculos de Cultura ou outras iniciativas semelhantes, os protagonistas aqui envolvidos já começam a sentir-se chamados a fazer intervenções concretas, de acordo com suas atuais possibilidades. Já não basta o debate, sem ser seguido por ações concretas. É hora de ir progressivamente fazendo propostas para os participantes. Tarefas que possam ser realizadas em equipe (da qual participem pessoas mais experientes junto com pessoas iniciantes), bem como de acordo com as características pessoais dos participantes. Apenas o começo. Isto não significa que, em algumas ocasiões, para determinadas tarefas, não devam ser convidadas também pessoas com talento aparentemente pouco compatível. É a prática que vai mostrar isto mais claramente. Desde que se faça o trabalho em equipe, o desempenho concreto de cada participante é que vai dizer se valeu ou não valeu a pena sua participação. Resulta sempre algum aprendizado.
*De animador de experiências locais a animador/animadora de experiências organizativas em outros âmbitos - Em distintas situações de avaliação, não é raro perceber-se o enorme bem que resulta a um(a) militante inicial circular como animador(a) de distintas experiências locais e em outras regiões. Por razões óbvias, isto lhes confere um aprendizado mais denso, porque a partir de uma diversidade de situações trabalhadas. Uma tarefa pode, inclusive, a de animar a formação de conselhos populares, núcleos ativos do Movimento. Núcleos que funcionam com sua autonomia, mas, ao mesmo tempo, sentindo-se interconectados, não apenas com outros núcleos similares, mas também vivamente interagindo com outras instâncias organizativas do Movimento. Uma rede viva e vivificante de conselhos ou núcleos a interagirem e a tomarem parte efetiva nas decisões do Movimento.
*Zelar, desde cada núcleo ou conselho, pela sua autonomia relativa e, ao mesmo tempo, pela sua interconexão ativa com outras instâncias do Movimento - O exercício da autonomia relativa de um movimento não começa nas instâncias de coordenação/direção. Surgem desde as bases do movimento, desde os núcleos. Em verdade, são estas instâncias de base que vão assegurar a observância da autonomia nas instâncias de coordenação/direção. O mesmo vale para a necessária interconexão das diferentes instâncias. E esses procedimentos se materializam igualmente por iniciativas bem concretas. Por exemplo, no caso do exercício de autonomia – que garante a todo o Movimento não se transformar em correia de transmissão ante forças do Mercado ou do Estado -, isto se viabiliza graças a tantas iniciativas forjadas desde baixo, principalmente quando se trata do autofinanciamento. Cuida-se, aqui, de empreender com criatividade e lucidez iniciativas voltadas a arrecadar recursos próprios para a realização de suas atividades. Exemplo que acaba repercutindo positivamente sobre outras instâncias, e, sobretudo, influenciando práticas nessa direção. Isto se faz com critérios objetivos. Não se trata de isolar-se de ninguém. Pode-se, sim, conversar com quaisquer interlocutores – governos, partidos, sindicatos, igrejas... -, mas sem nunca perder sua autonomia, sua capacidade crítica de expressar as linhas-mestras do seu Projeto. À medida que se vai cedendo, mesmo no pouco, vão-se abrindo brechas para aumentar o grau de concessão até perder, de vez, a autonomia, sua identidade.
*Assegurar condições para que aí prospere a alternância de cargos e funções - Em vão se espera pela boa vontade de dirigentes ou coordenação para se realizar o rodízio ou alternância de cargos e funções. Ainda que houvesse boa vontade da parte deles, este não seria o caminho desejável. Há de se criar condições coletivas de observância do rodízio, independentemente da boa ou má vontade dos dirigentes. Isto se faz à medida que, desde os núcleos, exige-se que quem for eleito para um período de coordenação/direção, tão logo se vença seu período de gestão, volte para a base. Quão revolucionário é este princípio, quando concretamente posto em prática.
*Quanto às pistas/passos de caráter formativo - Em vez de pontuar uma ampla série de passos específicos (cf., por ex., http://www.consciencia.net/educacao-popular-como-processo-humanizador-quais-protagonistas/ , cuido de sintetizar em três pontos axiais:
+Buscar manter aceso o horizonte de nossa caminhada – Não conseguimos ir longe – pois logo nos perdemos pelo caminho -, se hesitarmos quanto ao rumo que somos historicamente chamados a perseguir. A cada dia, temos que reacender esse compromisso inarredável, de seguirmos na construção de uma nova sociedade, de mulheres novas e de homens novos. Sociedade justa, solidária, fraterna, livre, plural, buscando a unidade na diversidade, desde os minúsculos gestos do dia-a-dia, sem esperar (em vão) que, primeiro, “derrubemos o sistema”, para só cuidar disto a partir daí.
+Priorizar o exercício da memória histórica dos “de baixo”- Ao longo da História, há um extenso acervo de experiências a recolher dos diferentes povos, das incessantes lutas de resistência e propositivas dos “de baixo”, a merecerem, não apenas registro, como também tornarem-se alvo de análises e avalição para os movimentos de hoje. E aqui não se trata de pretender-se reeditar esses feitos, mas de recolher deles inspiração, intuição para o enfrentamento exitoso dos desafios de hoje. Especialmente, os bons clássicos – mulheres e homens – constituem uma fonte na qual/da qual somos instigados a beber. Não é por acaso que o exercício da mística tem sido um momento tão precioso para os protagonistas dos movimentos sociais e das organizações de base de nossa sociedade. Do exercício dessa memória subversiva recolhemos força e entusiasmo para seguir lutando em busca da construção de uma nova sociabilidade, bem como para renovar nossos compromissos de classe.
+Alimentar continuamente nossa práxis, indo além de uma proposta formativa estritamente política, assumindo-se uma proposta formativa omnilateral– Mantendo firme o compromisso de formar politicamente nossa moçada, cumpre ir além de uma formação estritamente política. Com uma agravante: o próprio campo político tem, não raro, sofrido reducionismo, à medida que se tem restringido apenas às relações Sociedade – Estado, sem a devida atenção a outras relevantes formas de manifestação da Política: as relações sociais do cotidiano! Aqui ajudaria enormemente a priorização da recuperação do significado do Público (de “populus”, povo, popular), pelo qual tanto se empenharam sujeitos históricos de reconhecida referência da Classe Trabalhadora, como a Comuna de Paris. Ou seja, temos necessidade de aprofundar nosso olhar da Política, indo além das relações Sociedade-Estado. Mas, isto não é tudo. Se tudo passa, de algum modo, pela dimensão política, bem sabemos que a Política concerne à dimensão cidadã do ser humana. E, além dela, há tantas outras dimensões a serem igualmente trabalhadas: espacialidade, ecologia, gênero, etnia, geração, subjetividade... E aqui não se trata de se empreender uma reflexão estritamente conceitual, mas de exercitar nas relações concretas do dia-a-dia cada uma delas e a relação delas, em seu conjunto.
+Quanto às iniciativas de mobilização – Uma marca indelével de todo movimento social digno deste nome é, por certo, sua capacidade de visibilizar, perante o conjunto da sociedade, sua capacidade de organização e traços de seu processo formativo. As mobilizações constituem, pois, um traço determinante da configuração de um movimento social popular, especialmente empenhado na construção, com as demais forças parceiras e aliadas, de um projeto alternativo de sociabilidade.
Por outro lado, já não surte efeito aventurar-se em qualquer tipo de mobilização: mobilizar-se por mobilizar-se, sem ter algo de impactante a apresentar ao conjunto da sociedade. Em outros termos, a mobilização só dá seus frutos quando se consegue ressoar o acúmulo organizativo e formativo do movimento. Daí a necessidade de trabalhar-se essa tríplice dimensão: a organizativa, a formativa e a de mobilização.
Todo tempo é, em tese, tempo de mobilização, entendendo que é parte constitutiva de qualquer movimento mostrar suas bandeiras de luta, as bandeiras de lutas da Classe Trabalhadora. Mas, não se faz mobilização exitosa, de qualquer modo. Requer-se, como se sabe, um acúmulo de lutas prévias, passando por debates e reflexões críticas e autocríticas, Requer-se a formação de aliança com protagonistas dos “de baixo”, de modo a romper a correlação de forças frequentemente desfavorável.
Nesse sentido, me vem ao espírito a fecundidade da realização, em Brasília, em agosto de 2012, do Encontro Nacional dos Trabalhadores do Campo e dos Povos das Florestas e das Águas (cf. http://terradedireitos.org.br/en/2012/08/24/declaracao-do-encontro-nacional-unitario-dos-trabalhadores-e-trabalhadoras-e-povos-do-campo-das-aguas-e-das-florestas/ ) como ilustração de uma mobilização bem sucedida e com intensa sensibilidade aos reais desafios da conjuntura, mantendo-se aberto ao espírito classista, em sua saudável diversidade.

Concluindo essas linhas
Segue insubstituível o Trabalho de Base para todo e qualquer movimento social popular que se disponha a caminhar fiel aos interesses da Classe Trabalhadora, entendida esta na necessária atualização de seu sentido, conforme os desafios presentes e a nova configuração do perfil dos “de baixo”. Sem trabalho de base, em vão se procura mudar a sociedade, na perspectiva da construção de uma sociabilidade alternativa.
Trabalho de base a ser realizado à luz dos instrumentais teórico-metodológicos disponíveis na atualidade, sem abrirmos mão da genial intuição de bons clássicos e contemporâneos cujo legado deve fazer parte do processo formativo permanente dos protagonistas – mulheres e homens – dos movimentos sociais do campo e da cidade, que se mantêm atentos e empenhados na construção de uma sociabilidade alternativa ao Capitalismo e seus aliados.
Três elementos foram sublinhados, em nossa provocação acerca do trabalho de base: o desafio organizativo, o processo formativo e os espaços de intervenção e mobilização. Elementos cuja eficácia reside, sobretudo, na sua interrelação.
Num momento crucial, qual o em que vivemos, resulta fundamental aos movimentos sociais – do campo e da cidade – voltarem a priorizar radicalmente no investimento na formação de seus militantes – de direção e de base. Sem tal priorização, resultará frustrada toda tentativa exitosa de luta pela mudança do atual modo de produção, de circulação, de consumo e de gestão, em sua relação amorosa com a Mãe-Natureza.


João Pessoa, 01 de julho de 2014.

Alder Júlio Ferreira Calado

29 anos do martírio de Pe. Ezequiel Ramin: Uma vida doada aos pobres


“A morte do Padre Ezequiel foi um acontecimento marcadamente doloroso. Entretanto, aos olhos da fé é um acontecimento que trouxe muito proveito para a vida da diocese, da Igreja e do povo cristão”.

A frase de dom Antonio Possamai, bispo da diocese de Ji-Paraná, por ocasião da celebração dos 10 anos da morte do Pe. Ezequiel (em 1995) nos ajuda a entender a dimensão e o significado do seu martírio. Ele está vivo na memória do povo de nossas comunidades, movimentos populares e em todos aqueles que lutam para que a justiça do Reino aconteça no meio de nós.

É com muito carinho e alegria imensa que queremos fazer memória da morte e ressurreição de pe. Ezequiel, assassinado no dia 24 de julho de 1985, na fazenda Catuva, em Cacoal – Rondônia.

Ezequiel Ramin nasceu em Pádua, Itália, em 1953. Foi ordenado sacerdote em 1980 e, depois de um trabalho na Comunidade de Nápoles, Sul da Itália, foi destinado ao Brasil em 1983. Aqui chegando, após um período de inculturação, foi trabalhar na Paróquia da Sagrada Família em Cacoal, Rondônia.

No Brasil, viveu os desafios lançados a todo missionário: servir o povo e, principalmente, ficar ao lado dele no momento da incerteza, das pressões e das ameaças. Uma frase que ele escreveu poucos meses antes de morrer, manifesta o espírito que animava sua vida: “Estou caminhando com uma fé que cria, como no inverno, a primavera. Ao meu redor o povo morre, o latifúndio aumenta, os pobres são humilhados, a polícia mata, as reservas indígenas são invadidas... Com o inverno, eu também sinto que estou gerando primavera”.

Em 2014, celebram-se 29 anos de seu martírio.

Confira o documentário “Ezequiel Ramin: Uma voz de esperança”:

Paternidade (ir)responsável

Lembro-me com comoção do espírito de sacrifício de meus pais. Não se poupavam para prover o necessário a mim e meus irmãos. Cercavam-nos de todo cuidado. Colocavam a família acima de qualquer outro interesse. Cuidavam de nosso bem-estar, acompanhavam nossos estudos e zelavam pela nossa educação. Durante as refeições serviam-se por últimos e chegavam a tirar a comida da boca para que não faltasse para nós. Este senso de responsabilidade e esse zelo para com a família ficaram gravados pelo resto da minha vida. Os pais têm o dever de cuidar dos filhos amparando-os em todas suas necessidades materiais e morais desde a notícia da gravidez.

Há pais que cumprem direitinho com suas obrigações. Cercam seus filhos de todos os cuidados necessários. Às vezes gostariam de fazer mais, mas não conseguem por causa das dificuldades da vida. Mesmo trabalhando duramente, não conseguem satisfazer as necessidades básicas dos filhos, porque o salário é insuficiente e as condições de trabalho são duras. Infelizmente, o Brasil está longe de ser um país justo. As riquezas, em sua maioria, estão ainda concentradas nas mãos de poucas pessoas e a política salarial não dá o devido valor ao esforço dos trabalhadores. Prevalece o lucro às custas de quem pega no pesado. As famílias mais pobres pagam o preço dessas desigualdades. Nesses casos compete ao Estado dar aos pais o suporte necessário através da rede social e de eficientes políticas públicas para o fortalecimento dos vínculos familiares.

Há pais, porém, que não estão nem aí. Colocam filhos no mundo sem ter a mínima condição de criá-los e sustentá-los. Somem sem sequer pagar a pensão alimentícia. Mesmo havendo fortes indícios de paternidade, fingem ignorá-la ou até chegam a negá-la. Largam seus filhos Preferem aguardar passivamente os resultados das ações de investigação de paternidade para assumir suas responsabilidades. E, mesmo após a comprovação do vínculo de filiação, limitam suas obrigações paternas ao pagamento dos alimentos.

Hoje em dia essas atitudes são consideradas intoleráveis. “A conduta do pai que se omite e adota um comportamento passivo diante da notícia de pretenso filho, ou que simplesmente paga alimentos e não cuida de sua prole conferindo assistência moral, não é mais aceitável” (Paulo Lepore). Recentes decisões do judiciário sinalizam para uma mudança de paradigma. “Em nome da paternidade responsável, se há indícios de paternidade, ao surgir a notícia da gravidez, o suposto pai já tem de zelar pela verificação da paternidade e cuidar de sua prole eventual” (idem), oferecendo à mulher grávida o suporte necessário e ao filho tudo aquilo que for necessário para seu desenvolvimento saudável. O abandono dos filhos, além de ser imoral, é ilegal. “Abandonar enquanto dura o processo de seu desenvolvimento, ou seja, antes que ele alcance em concreto sua autonomia, é incompatível com o respeito devido ao valor absoluto da pessoa que subsiste, virtualmente, desde a fase embrionária de sua vida” (Cahali Yussef Said). Portanto, os pais não podem se furtar de suas responsabilidades. Seu compromisso vai além da obrigação alimentar. Cuidar não é sinônimo de pagar alimentos. “Todos aqueles que desejam ter filhos, ou especialmente aqueles que não desejam, mas cuja gravidez decorre de atitudes irresponsáveis, tem o dever de formar o ser humano de maneira integral, não sendo possível admitir apenas a concessão de alimentos, até porque se sabe que alimentos não é somente o que se come. “Alimentos” significa o alimentar, o medicar, o guardar, o dar todo o necessário para que este novo ser humano possa se formar e se desenvolver de forma plena”. (Fernanda Gracia Escane).

O descumprimento dessas obrigações pode ocasionar a perda do poder familiar e ações indenizatórias por abandono afetivo.

É necessário se conscientizar sobre a responsabilidade de pôr filhos no mundo procurando evitar gerá-los sem ter a maturidade suficiente para cuidar deles e as mínimas condições materiais de sustentá-los. E quando, por ventura, acontecer, nada de pular fora. Precisa assumir. Filho não pede para vir ao mundo. Chega porque foi “convidado”. Quem convida é que assuma. Pai que não assumir deve ser responsabilizado. Além de um apropriado trabalho preventivo, acho bom intensificar as medidas punitivas contra aqueles pais que não cumprem o dever de cuidar de seus filhos. Cabe lembrar que abandonar incapaz e deixar de pagar a pensão alimentícia para os filhos são crimes que dão cadeia até a dívida ser paga.

Se você não sabia disso agora sabe. Se estiver na condição de pai cumpra seu dever. Se estiver na condição de filho, exija seus direitos. Se um de seus pais estiver separado deve colaborar com sua formação e contribuir com suas necessidades. Se é verdade que a Lei não pode determinar que o pai ame seus filhos e também verdade que a lei determina a obrigação de cuidá-los. Se não está fazendo procure a Justiça para regularizar a situação. Mas cuidado. Não repita a mesma história. Paternidade não é brincadeira. Filho é presente de Deus e é sempre bem-vindo. Mas é também uma responsabilidade. Deus quer que nasça numa família com pessoas adultas, maduras, dispostas a acolher a vida e amá-la incondicionalmente, devidamente empregadas, que tenham condições de exercer a paternidade e maternidade responsável.

Padre Saverio Paolillo (pe. Xavier)
Missionário Comboniano

Pastoral do Menor e Carcerária

A ditadura da bola

Alguns dias atrás inauguramos o campinho de futebol de Aguiarlândia, bairro da extrema periferia de Santa Rita, município da região metropolitana de João Pessoa, na Paraíba. Na realidade não tem tamanho de campo. Mais se parece com uma quadra. Era coberta por uma boa camada de areia preta. Depois da pelada precisava de um tempão debaixo do chuveiro para tirar a sujeira. O risco de pegar micoses e bicho de pé era muito grande. Decidimos gramá-lo. Ajudada pelas chuvas que caem copiosamente durante esse tempo do ano, a grama pegou rápido. Em poucos dias o campinho virou um tapete verde. O dia da inauguração foi uma festa. A garotada, ansiosa de pisar na grama, curtiu bastante. Literalmente deitou e se enrolou naquele tapete macio. Bastaram pouco mais de três mil reais para realizar esse sonho, possível graças à ajuda de amigos italianos.Com pouca coisa a garotada dessa pobre periferia nordestina ganhou uma razoável estrutura esportiva.

Em época de Copa, uma pergunta se impõe: quantos campinhos como esse teria sido possível aprontar com a dinheirama gasta para o Mundial de Futebol. Segundo dados oficias divulgados pelo próprio governo, até agora foram investidos mais de 25 bilhões de reais. Só para construir ou reformar os doze estádios foram gastos quase dez bilhões de reais. Conforme um estudo da empresa de consultoria KPMG, divulgado pelo jornal Estadão, o Brasil construiu os estádios mais caros do mundo. Dos vinte mais caros do mundo dez estão no Brasil. Sempre segundo a matéria do Estadão, o País gastou mais daquilo que foi gasto pela Alemanha e a África do Sul nas últimas duas edições da Copa do Mundo. Cada assento do Mané Garrincha de Brasília teria um custo aproximativo de quase 21 mil reais. Com o dinheiro de um assento dava para gramar sete campinhos como o nosso.

A propaganda oficial tenta explicar que todo esse investimento não é a fundo perdido, mas que vai gerar riquezas para o País. Na realidade quem vai sair ganhando vão ser as empresas que estão realizando as obras, parte da rede hoteleira e de serviços, os patrocinadores do evento e a própria FIFA. Além de conseguir mudar algumas legislações, como aquela que proibia a venda de bebidas alcóolicas nos estádios, a FIFA foi beneficiada pelo Governo com a isenção fiscal de pelo menos oito tipos de tributos sobre suas atividades. Graças a esses benefícios, a mais poderosa organização futebolística do mundo vai deixar de pagar mais de 500 milhões de reais. Cabe ressaltar que essa entidade não está realizando nenhuma atividade filantrópica. Segundo as últimas estimativas, a FIFA espera que o evento gere um faturamento de mais de 7 bilhões de reais. Isso é 600 milhões de dólares (R$ 1,2 bilhão) a mais do que a receita gerada na Copa de 2010, na África do Sul, e quase o triplo da receita da Copa de 2006, na Alemanha. Enquanto o povão fatura pouco ou nada, a FIFA e seus parceiros vão superfaturar.

Não sou contra o futebol. Mesmo sendo uma perna de pau, sempre incentivei as crianças, os adolescentes e os jovens à prática esportiva. Organizei centenas de campeonatos para ocupar a ociosidade da garotada da periferia com atividades sadias que, além de proporcionar o desenvolvimento físico, ajudassem a assimilar os valores da cidadania, do respeito pelas regras, da boa convivência e da tolerância. Considero o esporte, quando vivenciado com ética, um grande aliado no enfrentamento da cultura da violência. Mas fico decepcionado por aquilo que o futebol se tornou. Virou um negócio onde rola muito dinheiro. Muitos atletas não constituem uma boa referência para os nossos garotos. Mergulhados em dinheiro, levam uma vida sem regras. Mesmo com todas as manifestações de carinho para com seu próprio país, a principal preocupação deles foi o prêmio que deveriam ganhar caso cheguem a conquistar o título, como se não ganhassem já muito dinheiro. A própria Copa do Mundo não é mais uma atividade que promove o encontro, a troca saudável de experiências e uma convivência sadia entre as várias nações do mundo, mas se tornou um big business, uma grande operação financeira onde não faltam até supostas ações fraudulentas como tem denunciado várias vezes a imprensa a respeito de rumores sobre eventuais casos de corrupção que envolveriam cartolas para aprovar a sede das edições dos mundiais.

A impressão que fica é que o Brasil tenha entregue a soberania à Fifa. O País parece viver debaixo da ditadura da bola. Centenas de pessoas foram removidas de suas casas para dar espaço às obras da Copa. Um verdadeiro plano de guerra foi aprontado para garantir aos torcedores segurança total. Por vários dias nas ruas de Santa Rita, município onde resido, o exército tem realizado ensaios para a repressão de eventuais manifestações populares. Leis que criminalizam os movimentos populares foram aprovadas em tempo recorde. Quem se obstina a protestar poderá ser enquadrado como terrorista. Operações de “limpeza urbana” estão “varrendo” drogados e moradores de rua. Os turistas não podem correr riscos, mesmo se isso pode colocar em risco a vida dos mais pobres.

Eu prefiro o nosso campinho de Aguiarlândia e o futebol da nossa garotada de periferia. O nosso campo não tem padrão FIFA, mas tem o cheiro da solidariedade e o gostinho do direito conquistado. Nós demonstramos que basta pouco para garantir o direito ao esporte nas periferias. Com a dinheirama gasta para construir ou reformar os 12 estádios da Copa daria para construir um monte de estruturas esportivas para a meninada. Que pena que o princípio da “prioridade absoluta” garantido às crianças brasileiras pela Constituição Federal tenha sido cedido ao futebol. à Fifa e a seus patrocinadores. O dia que o Brasil fizer para nossas crianças o que fez para a Fifa e a Copa vai ter mais vida para os nossos pequenos, mas não menos importantes cidadãos brasileiros.

Benvindos à Copa e ao futebol quando vierem juntos com uma grande vontade de ajudar a construir cidadania e justiça.

Padre Saverio Paolillo (pe. Xavier)
Missionário Comboniano
Pastoral do Menor e Carcerária

Centro de Defesa dos Direito Humanos Dom Oscar Romero – CEDHOR.

A solução da violência passa pela conversão

A cena do pe. Kelder, sacerdote da arquidiocese de Vitória do Espírito Santo, celebrando missa no Domingo de Ramos, na rua, ao lado do corpo de uma pessoa assassinada, ainda uma vez chama a atenção de todo mundo em relação ao fenômeno da violência. Cresce a cada dia o número de pessoas que sofrem algum tipo de agressão. Os cidadãos têm medo de sair.  As residências transformaram-se em fortalezas. O povo prefere ficar trancado dentro de casa, mas nem no lar, outrora sagrado, a violência dá trégua.  Entre as quatro paredes consumam-se abusos e agressões que beiram a bestialidade.

O pânico está tomando conta de todo mundo. O pior de tudo é que a violência contagia. É curto o caminho que leva a vítima a se tornar carrasco. Com a sensação de abandono por parte das autoridades, o povo tenta se proteger de qualquer forma. Algumas pessoas, sedentas por reparação, fazem justiça com suas próprias mãos. A barbárie está tomando conta das ruas. São numerosos os casos de linchamento.

As instituições estão perdidas. As iniciativas de enfrentamento são violentas tanto quanto a violência que se pretende encarar. Na área da segurança pública prevalece a linguagem bélica. Fala-se de “combate”, de “invasão e ocupação de comunidades”. Utilizam-se equipamentos de guerra. Até o exército está sendo utilizado para combater o narcotráfico. A população, no meio do fogo cruzado e alvo de balas perdidas, exige do poder executivo medidas mais enérgicas, pressiona o legislativo para que aprove leis mais rígidas e espera do judiciário a aplicação de penas mais duras. Há quem chegue a pedir a eliminação dos infratores. É a afirmação da linha dura vendida como a estratégia de sucesso no enfrentamento da violência.

E nós cristãos, onde ficamos em tudo isso? Qual é a nossa posição? Qual é o caminho que apontamos para vencer a sensação de impotência e dar início a um processo de mudança na linha da construção da cultura da paz?

Nos meus 25 anos de militância na Pastoral do Menor e na Pastoral Carcerária, com os olhos poluídos por inúmeras situações de brutalidade vivenciados na minha militância, acredito firmemente nos seguintes pontos:

1.            Não dá para se render à lógica da violência. Como já escrevi em outras oportunidades, a pior violência que podemos sofrer é permitir que assassinem a nossa esperança. Por quanto seja difícil o momento que estamos vivendo, não podemos nos dar por vencidos. Desistir de reagir com a desculpa que “não tem mais jeito” é assinar embaixo o atestado de rendição a quem quiser impor a lei do mais forte. A gravidade da situação pode se tornar uma grande oportunidade de reação. ‘Depois que Cisto morreu na cruz – escreve pe. Amedeo Cencini – toda situação, inclusive a mais frágil e trágica ou a aparentemente falimentar e maldita, pode tornar-se lugar e causa de salvação. Ou seja, se um crime horrendo foi o contexto histórico escolhido por Deus ou por meio do qual o Pai nos salvou, isso quer dizer que qualquer cenário histórico é ideal para se viver a própria história pessoal de salvação”. O cenário de violência dos nossos dias pode se tornar o palco onde podemos colocar em cena uma nova história pautada na paz e na solidariedade.

2.            Quem acredita que a violência tenha que ser combatida com métodos igualmente violentos arrisca entrar num beco sem saída. A simples repressão pode até conseguir conter a violência por algum tempo e difundir no ar a sensação de segurança, mas nunca obterá o fim dela. Serve só a mantê-la aparentemente sob controle até a próxima explosão que, pela quantidade de energia negativa acumulada, torna-se mais devastadora das anteriores.

3.            A única atitude capaz de derrotar a lógica da violência é a conversão. A humanidade está atolada num processo de desumanização. A constatação é dramática: o ser humano está deixando de ser humano. A saída de emergência é uma só: o resgate de sua humanidade. O ser humano só vencerá a violência quando redescobrir sua verdadeira identidade. A visão antropológica da Sagrada Escritura não deixa dúvidas: o homem e a mulher foram feitos a imagem e semelhança de Deus. E qual é o jeito de ser de Deus? Deus é amor, diz o apóstolo João. O ser humano, portanto, só voltará a ser genuinamente humano se vivenciar o amor do mesmo jeito de Deus. A violência que inferniza a nossa vida não é outra coisa a não ser o sintoma de uma outra luta mais radical onde estamos colocando em xeque o futuro da humanidade. “O ser humano – afirma o jesuíta pe. Alexander Paul Zatyrka Pacheco - é o campo de batalha de duas tendências opostas, uma rumo à humanização e outra à desumanização. E a experiência cristã monstra que somente quem se reencontra com sua vocação transcendente é capaz de sair vencedor desse conflito”.

O ser humano precisa se achar, se reencontrar com sua origem, se reconciliar com sua verdadeira imagem, redescobrir sua identidade.
Jesus veio para isso: para a humanidade espelhar-se nele e se achar nele. Ele é verdadeiro Deus. É o rosto do Pai. E é verdadeiro homem. É a figura autêntica do ser humano. Este deixará de ser violento quando levar a sério Jesus Cristo e entrar num processo de configuração com Ele até chegar ao ponto de exclamar com o apóstolo Paulo: “Não sou mais eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).

Pega muito mal saber que o Brasil, mesmo sendo o país no mundo com o maior número de cristãos, seja, ao mesmo tempo, um dos mais violentos do planeta Chegou a hora de descer o Cristo do Corcovado e acolhê-lo na nossa vida, plasmando-a conforme seu jeito de ser e viver.

Ao longo de toda a sua experiência terrena, Jesus mostrou, através do exercício da compaixão, da solidariedade e do perdão, o seu jeito todo peculiar de ser humano e divino. Mas o momento culminante da revelação da sua verdadeira identidade se deu, paradoxalmente, na cruz. Aquilo que aos olhos humanos parecia ser um fracasso, tornou-se a glória de Jesus. A cruz deu “consistência” à sua divindade e à sua humanidade. “O seu total esvaziar-se até dar tudo de si para nós nos revelou o que é plenamente humano. Trouxe à tona a imagem divina segundo a qual fomos criados. Cristo crucificado e ressuscitado nos manifestou, numa linguagem existencial acessível à nossa compreensão humana, o mistério de um Deus que é amor, como dom de si, que, paradoxalmente, quanto mais se doa tanto mais se transforma em vida” (pe. Alexander Paul Zatyrka Pacheco )

É a imagem desse Deus que nós fomos criados. Essa é a “figura” que nos é própria, o modelo com o qual somos chamados a nos “configurar”, a nossa identidade de pessoas. O mal nos desfigura porque nos propõe um dinamismo exatamente oposto ao Amor de Deus assim como se revela no Inocente pendurado na cruz. O engano do mal consiste fundamentalmente em nos separar uns dos outros. Ele nos convence que todos aqueles que estão ao nosso redor, inclusive Deus, são inimigos e rivais. Envenena completamente as pessoas fazendo com que elas passem a ver tudo com maldade. Obcecado pelo mal, o ser humano não se enxerga mais como criatura, mas como criador todo poderoso; não se vê mais como administrador da criação, mas como um dono absoluto de tudo; não se percebe mais como pessoa, ser em comunhão, mas como EGO, um indivíduo isolado em contínuo conflito com o que o cerca, pois tudo se torna uma ameaça. Ele passa a ver de maneira distorcida também o outro. Este não é mais um irmão, mas um rival, um inimigo. O próprio Deus passa a ser um antagonista ciumento que precisa ser eliminado.

O mal convence o ser humano que a única maneira para ter segurança nesse mundo inseguro é assumir posturas violentas.  Sob sua influência, no lugar de dar a vida aos outros, dedica-se a arrancá-la dos outros. De irmão solidário transforma-se em predador. Torna-se “contra-imagem” de Deus, Desfigura-se.

O Inocente plantado na cruz é um alerta. Se é verdade que a cruz é um abominável instrumento de tortura que tem que ser definitivamente abolido da face da terra, é também verdade que o Crucificado aponta que a única saída da violência é uma vida orientada pelo dinamismo do amor. Jesus fez de toda sua vida um dom de si. O Amor do qual fala o apóstolo Paulo no capítulo 13 da Primeira Carta aos Coríntios, foi a marca registrada de suas ações. Esse mesmo amor deve ser a marca registrada também de nossa vida se quisermos sair definitivamente da espiral do ódio e da violência. O resto é papo furado.

Um forte abraço ao pe. Kelder, meu amigo, e a todos(as) os(as) teimosos(as) que não se dobram à cultura da morte.

Pe. Saverio Paolillo (pe. Xavier)
Missionário Comboniano

Pastoral do Menor e Carcerária

Fonte da foto: www.ipunoticias.net

Internet a serviço da cidadania

Após um longo e proveitoso debate com a participação de amplos setores da sociedade civil, a Câmara dos Deputados aprovou nestes dias o Projeto de Lei 2.126/11, conhecido como Marco Civil da Internet. A discussão e a votação passam agora para o Senado, onde se instala uma nova fase do debate. Os senadores podem propor mudanças no texto como também podem rejeitá-lo em sua totalidade. É necessário, portanto, que a sociedade civil acompanhe as discussões e faça pressão sobre os senadores para que se chegue a uma regulação do uso das redes.

O Projeto de Lei 2.126/11 estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a rede, bem como determina as diretrizes para a atuação do Estado em todos seus níveis.

Aprovado pela maioria dos deputados no último dia 25 de março, ele conta com vinte e cinco artigos, divididos em cinco capítulos: Disposições preliminares; Dos direitos e garantias dos usuários; Da provisão de conexão e aplicações da Internet; Da atuação do poder público; e Disposições Finais.

Ao reconhecer que a Internet é uma ferramenta essencial de exercício da cidadania, o Marco Civil da Internet objetiva disciplinar seu uso para que todos os cidadãos tenham acesso a um serviço de qualidade e no respeito dos direitos humanos.

O Projeto fundamenta-se sobre um sólido tripé: a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento; a proteção da privacidade e dos dados pessoais e a garantia da neutralidade da rede.

O Projeto de Lei 2.126/11 acaba com a censura na Internet e reafirma o direito constitucional à liberdade de expressão.
Hoje, na Internet aplica-se a censura arbitrariamente. Os provedores podem eliminar textos, vídeos, imagens e qualquer outro tipo de conteúdo sem pedir autorização. Basta um pedido não formal da pessoa que se sente lesada ou de seu advogado para que, os provedores, por medo de serem responsabilizados pelo conteúdo que circula em seus sites, retirem imediatamente o conteúdo do ar. Os provedores, para justificar essa atitude arbitrária, alegam que na atual legislação há insegurança jurídica quanto à responsabilidade do conteúdo hospedado em seus sites. Têm medo de serem acionados judicialmente em eventuais processos por danos morais. Por isso preferem apagar mediatamente o conteúdo para não correrem riscos.

O Projeto de Lei 2.126/11 acaba com esta insegurança jurídica ao estabelecer que a retirada de conteúdo da Internet só poderá ser feita a partir de ordem judicial. Quem se sentir lesado por alguma matéria divulgada pelos canais virtuais deverá recorrer à justiça para retirar o material do ar. Com isso consagra-se o direito à liberdade de expressão na rede, evitando, por exemplo, que sátiras, críticas e denúncias, sobretudo aquelas que incomodam homens públicos e grupos de poder, sejam removidas prontamente pelos provedores.

Isso não significa que as pessoas podem escrever e divulgar pela Internet o que bem entenderem, sem levar em conta o respeito pela dignidade da pessoa. Quem se servir da Internet para ofender ou difamar outra pessoas ou para usar indevidamente obras protegidas pela propriedade intelectual privada poderá ser acionado judicialmente. O que muda, na realidade, é que a avaliação de cada caso vai ser feita pelo sistema judiciário. A responsabilidade de julgar se o conteúdo viola as leis e a decisão de retirar o mesmo do ar não cabem mais ao provedor nem tampouco à suposta vítima, mas ao juiz. Quem se sentir difamado por material divulgado pela Internet deve procurar a justiça para fazer valer seus direitos. O artigo 20 do Projeto de lei 2.126/2011 retira a responsabilidade dos sites sobre os conteúdos gerados por terceiros, acabando com a insegurança jurídica e com a desculpa utilizada para a censura automática. Quanto à divulgação de material com direito autoral, a matéria será tratada especificamente na Lei de Direito Autoral.

O Projeto de Lei 2.126/11 garante o direito à proteção da privacidade e dos dados pessoais.
A Internet transformou-se numa ferramenta de controle político, econômico e social. Dados pessoais são utilizados livremente por empresas que os vendem para a realização de pesquisas de mercado, como também os repassam para agências de espionagem para o monitoramento de milhões de cidadãos.

O Marco Civil protege a privacidade dos usuários e seus dados pessoas. No art. 7 assegura, entre outros, o direito “à inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações pela Internet, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”; o direito “a informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de serviços, com previsão expressa sobre o regime de proteção aos seus dados pessoais, aos registros de conexão e aos registros de acesso a aplicações de Internet, bem como sobre práticas de gerenciamento da rede que possam afetar a qualidade dos serviços oferecidos”; e o direito “ao não fornecimento a terceiros de seus registros de conexão e de acesso a aplicações de Internet, salvo mediante consentimento ou nas hipóteses previstas em lei”.

É claro que isso não basta para acabar com a invasão de privacidade, com o uso indevido dos dados pessoais e com a espionagem, mas, a partir da promulgação do texto do Marco Civil, quem por ventura praticar esses atos estará cometendo um crime.

O Projeto de Lei 2.126/11 garante a neutralidade da rede
Segundo Pedro Ekman, numa matéria publicada no site cartacapital “este é o ponto de maior polêmica entre sociedade civil e empresas de telecomunicações. Com a aprovação da neutralidade de rede como um princípio, as empresas donas dos cabos por onde trafegam os pacotes de dados ficam impedidas de favorecer esse ou aquele serviço, esse ou aquele produto no tráfego. Basicamente, todo conteúdo deve trafegar da mesma forma, com a mesma qualidade. Essa definição é importantíssima para garantir que a internet se mantenha como um meio democrático, onde todos têm as mesmas condições de falar e ganhar repercussão. Ter uma rede neutra é definir que o dono da estrada não pode definir que veículos podem andar mais rápidos e quais tem que enfrentar um congestionamento. Se nossas estradas não fossem neutras em relação a quem viaja por elas, existiriam uma larga pista para quem pagasse mais e um pista estrita para quem não tivesse dinheiro. Ou ainda a administradora da estrada poderia definir, em um acordo comercial com montadoras, que algumas marcas de automóveis passam sem pagar pedágio, enquanto as outras são obrigadas a pagar. Como não existem leis obrigando a neutralidade na rede de internet, hoje as estradas digitais são administradas de forma assimétrica por quem controla os cabos”. Algumas provedoras, por exemplo, diminuem aleatoriamente a velocidade da conexão para inviabilizar o uso do Skype para proteger os interesses de empresas concorrentes de telefonia.

O Marco Civil põe um ponto final nisso. O art. 9 determina que “O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicativo, sendo vedada qualquer discriminação ou degradação do tráfego que não decorra de requisitos técnicos necessários à prestação adequada dos serviços, conforme regulamentação”. Com a afirmação do princípio da neutralidade os provedores ficam impedidos de discriminar certos serviços em detrimento de outros e protege os usuários de ter sua velocidade de conexão diminuída baseada em interesses econômicos.

Apesar de alguns pontos críticos que podem ainda ser corrigidos durante a tramitação no Senado, o Marco Civil da Internet é considerado uma vitória histórica de democratização da comunicação, fruto da luta dos movimentos sociais brasileiros. É bom ficar conectados com essa discussão para o Brasil sair na frente na construção de uma “Constituição da Internet” que garanta uma navegação segura e uma internet a serviço da informação de qualidade, do fortalecimento da comunicação e do exercício da cidadania.

Pe. Saverio Paolillo (pe. Xavier)
Missionário Comboniano
Pastoral Carcerária e do Menor
Fontes:
www.cartacapital.com.br
www.adital.com.br